quinta-feira, 18 de junho de 2009

Harmonia

(...) e a sala toda se enchia de tinta. Parecia vir de algum ponto do teto, e se espalhava por todos os lados, escorrendo pelas paredes e inundando o chão. Não conseguia observar um possível começo de onde jorrava, e nem um lugar por onde aquilo esvaziava, mas a sala continuava íntegra, sem acumular uma única gota. Era como se exatamente a mesma quantidade de tinta entrasse e saísse, numa espécie de controle perfeito. Olhava para os lados, para cima, e era a mesma visão: dezenas de misturas de cores, todas fluindo em perfeita harmonia, misturadas como se fossem um rio ,em alta velocidade, descendo pelo vale. Não haviam portas ou janelas, e se haviam, estavam encobertas por esta cachoeira colorida.
A sala tinha a forma de um cubo, de aproximadamente uns 3x3 metros. Tinha a iluminação um pouco mais fraca do que a de uma sala comum, apesar de não haver lâmpadas e nenhum tipo de orifício por onde poderia entrar qualquer tipo de luz.
A dança das cores que se formavam com a mistura me deixara extasiado. Vinha uma vontade misturada com curiosidade de tocá-las, sentir aquele líquido que parecia tão leve e ao mesmo tempo viscoso, misturado com o cheiro forte e característico. Só o andar sobre aquele mar de cores já me deixava inseguro, tendo a impressão que a qualquer momento eu poderia escorregar e me esborrachar no chão, não sabendo ao certo o que aconteceria ao tocar naquilo. Nisso, fiquei imóvel por muito tempo. Olhos e narinas apostos, absorvendo cada mudança com a máxima atenção. Mas aquilo me cansava. Nada mudava e parecia que eu estava sendo testado, como uma terapia agressiva de controle emocional.
Já com dores nas pernas de permanecer por muito tempo de pé, comecei a procurar algum espaço no chão onde pudesse descansar, sem que tivesse que encostar naquela substância, algo como um degrau ou objeto elevado da superfície. Olhando para o chão por alguns segundos a procura de alguma coisa, não me dei conta que algo bastante curioso havia acontecido. Quando voltei a olhar em volta, tudo havia sumido. Toda a tinta, todo o cheiro de tinta, todo aquele mar de cores se transformaram em paredes cinzas, e onde só haviam misturas de cores nas paredes, apareceram uma porta à frente e uma janela à minha direita. Com uma cara de espanto, e sem entender mais ainda o que estava acontecendo, me dirigi em direção à janela quase que instintivamente. Ela parecia estar vedada com alguma tinta escura, e pelo lado de fora, pois ao tocar no vidro, ele ainda era como um vidro qualquer, liso e gelado, mas totalmente preto. Não haviam trancas, pegadores, fechaduras, nada. Uma janela comum com vidros escuros. Desistindo de tentar entender o porque de uma janela estar daquela forma, me lembrei e fui diretamente para a porta, na esperança de estar destrancada; ou se não estivesse, tentar algum artifício para minha fulga. Mas logo que cheguei em frente dela para tocar o trinco, a luz se apagou.
Deve ter demorado um segundo, ou meio segundo. Minha noção de tempo estava ficando distorcida dentro daquela sala. Quando tudo se iluminou novamente, para minha surpresa, e não menor do que as surpresas anteriores, tudo estava exatamente como antes: correntes de cores escorregando por todos os lados, sem brechas, sem buracos, cobrindo cada milímetro de toda a superfície da sala. Na ânsia do desespero de escapar, enfiei as minhas mãos na parede onde havia a tal porta. Minhas mãos afundaram até a altura do cotovelo, bem além de onde teoricamente estaria a porta. Elas se encheram daquele líquido viscoso e gelado, numa sensação estranha, quase indescritível. Era frio, e estranhamente ele parecia uma massa gelatinosa, pois quando retirei meus braços, ele retomou a forma anterior deslizando pela parede como sempre estava, e nada restava nas minhas mãos. Estavam limpas exatamente como antes de colocá-las sem pensar em direção àquela extinta porta.
Meio preocupado, pois a cada segundo eu ficava mais confuso, me dirigi ao centro da sala como antes estava, tentando organizar as poucas peças do quebra-cabeça que possuía.
Neste momento, aquele fenômeno estranho começou a agir novamente. A luz da sala começou a apagar e acender com intervalos de um ou dois segundos. E a cada novo apagar de luzes, alternadamente a tinta sumia, e apareciam novamente a tal porta e janela.
Fiquei estático. Que diabos?
A cada apagão de luzes, que agora começava a perder a continuidade e ficava cada vez mais instável, o intervalo de tempo entre os apagões começou a ficar irregular, as vezes demorando muito tempo com tudo em completa escuridão, e as vezes piscando tão rápido que me faziam pensar que minha visão começava a falhar.
De repente tudo parou. A luz sumiu, o som sumiu. O cheiro de tinta também misteriosamente sumiu. Atento caso alguma mudança repentina acontecesse novamente, eu fiquei imóvel esperando mais alguma coisa bizarra, nessa situação bizarra. Eu não sei ao certo quanto tempo passou, minha percepção de tempo estava distorcida, mas acreditou que foi algo em torno de vinte minutos mais ou menos, pois logo após isto, a luz voltou. Novamente não havia mais indícios de tinta em lugar nenhum, e retornava a morta cor cinza claro para todo o lado: teto, paredes e o chão. Na realidade eu nem sabia mais distinguir o que era parede de teto e chão de parede. Acho que apenas a noção de gravidade é que me dava um pouco de lucidez.
Finalmente me sentei no chão com as pernas cruzadas e soltei a respiração, cansado, exausto dessa situação. Quanto mais eu tentava entender, mais maluco eu parecia ficar. E ali eu fiquei, relembrando minha falta de habilidade com o tempo, por mais algumas horas. Ou dias. Ou...não sei. Alguma coisa.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O Serial Killer olha para suas mãos, agora ensanguentadas, e sorri, satisfeito:
"- Não há nada melhor do que viver!"