terça-feira, 5 de outubro de 2010

Menina da janela

Quantas vezes você já se perguntou, olhando para algumas pessoas que transitam contigo pela rua, como era a vida de cada uma delas?

Eram rostos desfigurados, sem expressão além de cansaço, estresse, angustias e sempre apressadas, sem ter tempo de saborear o café da manha antes de ir trabalhar, sem dizer bom dia para quem visse à sua frente. Ou quem sabe uma vida solitária, sem família ou amigos, sem cachorro ou gato, sem imagem no espelho.

 Já conheci pessoas que fingiam andar acompanhadas na rua, e mais tarde entendi que apenas se mantinham sozinhas para ter alguém com quem conversar.

De certo modo eu me reconhecia em cada uma delas. Era o preço a pagar por viver dentre eles.

Por essas e outras que um dia, parado distraidamente num cruzamento no centro de Curitiba, deparei-me olhando para um prédio logo a minha frente.

Analisei-o, e analisei eu mesmo, para entender o que havia me chamado a atenção.

Ele não possuía nada tão diferente dos outros ao redor, pois era cinza como todos, com aqueles jardins que tentam dar um ar de “minha sonhada casa”, deixando transparecer todo o vazio de estar no meio de uma selva de pedra, e não, não era o seu lindo jardim, o qual você passaria horas do seu dia aproveitando cada raio de sol. Era apenas cheio de janelas sem qualquer adereço que as diferenciassem uma das outras, como se em cada uma daquelas janelas morasse uma família exatamente igual à outra que mora ao lado, e assim se multiplicando andar por andar, sem qualquer distinção.

Seria só isso que seria possível observar se não fosse pelo fato de uma bela moça que apareceu em uma das janelas no exato momento que lá estava eu parado, olhando.

O semáforo de pedestres piscava em vermelho pela segunda vez desde que eu estava ali.

Logo que ergui os olhos e a vi, não consegui calcular em que andar estava.

Ela fixou seu olhar no meu e durante uma boa dose de segundos ambos ficaram paralisados, embriagados. Uma boa dose de curiosidade capaz de embebedar qualquer um.

Não imagino o que se passava em sua mente, mas na minha era de pura surpresa, pois ela era extremamente bonita.

Possuía cabelos ruivos, quase alaranjados, curtos e com estilo repicado, com as pontas caindo sobre os olhos, um nariz fino cirurgicamente alinhado com as formas do rosto, este recoberto por pequenas sardas que davam a ela um toque especial.

Até agora não entendo como notei tantos detalhes mesmo ela estando tão distante acima dos meus olhos.

Não sei por mais quanto tempo ficamos nos olhando.

Tentei imaginar o que fazia ela me olhar tanto. Talvez ela sempre olhasse para muitos da mesma maneira, todos os dias.

Por um momento achei que ficaríamos ali, parados, por toda a vida, cada um em seu mundo de admiração, onde nada acontecia ao redor. Era uma sensação de que estávamos nos conhecendo profundamente, trocando experiências e confidencialidades.

Percebi que ela se deteve olhando para trás por alguns instantes e voltando a me ver, sorrindo, para logo depois desaparecer por detrás das cortinas.

Desconcertado, olhei para o chão para tentar notar quanto tempo eu estava ali parado e se alguém mais havia percebido tal cena. Senti-me constrangido de ser o único a ficar olhando para cima, enquanto os demais pedestres andavam apenas para frente, de cabeça baixa.

Voltei o olhar para o prédio para tentar achá-la, e mesmo não sabendo se eu olhava agora para a janela certa, nenhuma delas estava aberta.

Parado ali na rua eu não sabia o que fazer. Desejava, mas rejeitava olhar novamente para cima e ver que ela nunca mais voltaria.

Ela me fitou com a mesma intensidade que eu a admirei. Eu sabia disso. E queria que fosse assim.

Urgiu uma curiosidade enorme de saber quem era ela. Não queria saber o seu nome, esse era um mero detalhe. Queria mesmo saber quem era de verdade, sua essência, seus defeitos, sua maneira de andar, sua caligrafia, quais seus vícios, seus sonhos, sua voz.

Seu sorriso novamente.

Eu só realmente percebi o que estava fazendo quando o prédio estava ficando cada vez maior e por fim me vi no hall de entrada. Que absurdo.

O que eu estava pensando em fazer? Ir atrás dela? Você nem sabe que andar era. E o que você diria? E se ela repudiasse esse ato? E quem não acharia um ultraje?

Curiosamente o portão de entrada estava aberto. Não havia ninguém na recepção. Não havia barulhos que delatassem a presença de alguém. Nada.

Naquele ponto eu já estava achando aquela situação uma grande piada. Eu até poderia ser preso caso alguém me encontrasse ali, invadindo propriedade privada. Invadindo vidas.

Mas mesmo assim, observando o saguão sorrateiramente, busquei logo onde estaria o elevador.

Mantive o olhar, indo da esquerda para a direita. O encontrei no final do corredor, que era iluminado com duas lâmpadas de parede, dando a aquele caminho parcialmente iluminado um ar mais misterioso ainda, pois só iluminava as portas do elevador.

- Ele já estava ali me esperando o tempo todo - pensei.

Bem iluminado e com um enorme vidro na parede ao fundo, como todo bom elevador. Mas ele era muito maior do que eu poderia suportar.

As portas se fecharam.

Olhei para o chão, como sempre fazia quando não sabia o que fazer.

Olhei para trás e vi meu rosto no espelho.

Havia ali uma pessoa estranha. Olheiras de um dia estressante, com suas mãos enormes e frias, e um sorriso diabolicamente provocante, talvez de desespero.

Observando pessoas durante aquele dia, me perguntava agora no fulgor do momento se talvez eu fosse apenas um mero personagem, normal, insignificante, dentre milhares, e que por razão ainda profundamente desconhecida, está neste momento indo em direção a ares inóspitos, procurando por um “eu” ainda desconhecido, mas familiar.

Respirei fundo. Estava finalmente ali, estivesse fazendo a pior burrada da sua vida ou não, era a partir daqui que eu deveria continuar e nunca retroceder.

Dei uma olhada para o painel e lembrei que não fazia idéia de qual andar eu deveria tentar. Havia muitos. Começavam no número um e iam até o quinze.

Só me restou fechar os olhos e respirar fundo novamente.

Voltando a visão do chão para o painel, apertei o botão com o número sete, que se iluminou logo sem seguida com um neon azul.

Com um barulho, que me pareceu um estrondo, o elevador começou a subir.

Como ela me receberia? Qual era o número do apartamento? Estaria sozinha? Era casada?

Por que diabos eu realmente estava fazendo isso?

Os quase eternos segundos se passaram. E enfim a porta se abriu.

Será esse o andar certo?